É minha intenção divulgar, através deste meio, as minhas ideias a respeito da sociedade em que vivemos, expressas em todos os livros que escrevi, mais ensaísticos ou mais literários - Luis Valente Rosa.

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Sobre o passado

No número de Fevereiro da fantástica Philosophie magazine vem, no correio dos leitores, um texto de resposta que me chamou a atenção. Foi escrito pelo filósofo Charles Pépin.

A temática gira em torno do problema do passado e da importância que lhe devemos, ou não, atribuir na gestão do presente. As posições possíveis são, como se sabe, antagónicas: tão depressa o passado é fundamental para entendermos as características, ou a estruturação, do presente e, com esse entendimento, projectarmos o futuro de forma fundamentada, como é um entrave à capacidade de imaginarmos algo de significativamente diferente e inovador para o futuro. O autor, como eu, parecia inclinar-se mais para esta segunda versão. Pelo menos, no início do texto (depois, e muito bem, demonstrou esforço de imparcialidade e considerou a segunda abordagem). E, como seria expectável, vai buscar o Nietzsche para o ajudar. Citando este, de forma mais ou menos livre, escreve o seguinte: “voltarmo-nos para o passado é então desviarmo-nos da vida, fazer triunfar o ‘instinto do medo’ sobre o ‘instinto da arte’”.

O meu filho Manel acabou por mandar vir dos EUA a camisola que tanto cobiçava, por esta ter a seguinte frase do Nietzsche: “E os que começaram a dançar foram considerados loucos por aqueles que não conseguiam ouvir a música”.

O Nietzsche morreu no ano em que faria 56 anos (não sei se chegou a fazê-los, mas isso não é relevante agora). Ou seja, tinha a minha presente idade. E, em minha opinião, inventou o maior dos mundos cognitivos alguma vez inventado por um ser humano. Dizendo frases destas.

Opor o “instinto do medo” ao “instinto da arte” não é só genial. Até porque este conceito (genial) é de uso tão demasiado fácil como ambíguo. Direi antes que é absolutamente grandioso. É de uma dimensão indizível. Porque a arte é precisamente essa arma única de que os homens dispõem para ultrapassar os seus limites, a sua pequenez. De modo a criar o novo, o original e, ao mesmo tempo, o universal e o eterno.

O que significa, realmente, inventar o futuro.

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

Direitas e esquerdas

Na sequência da minha entrevista que saiu na passada quinta-feira na Visão, fui confrontado múltiplas vezes – até pela entrevistadora – com as minhas supostas contradições.

A primeira diz respeito ao facto de eu ser a favor do individualismo e me considerar de esquerda (que todos associam ao colectivismo e ao elevado peso do Estado na economia, por oposição à atitude “liberal” – de direita, portanto); a segunda, mais interessante, pretende encostar-me à extrema-direita por ser contra o Estado Social (o que não é bem verdade, apenas sou contra este Estado Social). Aliás, o grande líder do PS, seguro até no nome, dá voz a todos os que defendem a “solidariedade” (do Estado Social – é o que está subentendido) contra o “cada um por si” dos liberais fanáticos. Porque é que eu digo que esta contradição é mais interessante? Simplesmente por não se ficar pela superficialidade do económico e questionar igualmente o posicionamento das opções sociais.

Deste modo, ao defender o fim (de parte, mas ninguém quer saber disso) do ES, sobretudo na Saúde e na protecção social da velhice (através de seguros privados), eu teria de ser rotulado, imediatamente, de direitista frio e implacável, em oposição gritante com os bons corações esquerdistas que optam pela Fraternité de 1789.

Gostaria de não ter de responder, e esperar que as pessoas lessem o que realmente escrevi no livro (na entrevista era humanamente impossível explicar, apesar do excelente trabalho da jornalista), mas acho que tenho de o fazer. Mais uma vez. Assim, dirijo-me, sem rancor nem animosidade – talvez até com alguma nostalgia do que fui aos 17 anos –, a todos os que acham que existem oprimidos e opressores (tal como eu acho também) e que sentem essa injustiça no seu coração bondoso. Tal como o meu. E digo-lhes que aprendi comigo próprio (é o resultado natural da reflexão profunda e desapaixonada sobre o mundo em redor) que podia definir os opressores como aqueles que têm mais direitos do que deveres e os oprimidos, claro, ao contrário. E que aprendi outra coisa muito importante: a sociedade é uma balança muito instável que conduz à seguinte lei: quando há pessoas que têm mais direitos do que deveres, o resultado inevitável é existirem pessoas que, para compensar, são obrigadas a ter mais deveres do que direitos.

Seguindo este raciocínio, que se pretende tão pouco emocional quanto possível, considero que o homem de esquerda não pode aceitar que existam pessoas com direitos que não tenham deveres correspondentes. A essas situações, os homens (e as mulheres, claro) de esquerda habituaram-se a classificar de “privilégios”, e não de direitos.

Talvez o mais importante seja perceber-se que estas situações de “privilégio” são de combater, qualquer que seja o rótulo da pessoa que delas beneficia. Para a esquerda “convencional”, é habitual que sejam pessoas de “direita”, ou seja, ricas ou “nobres” à nascença, patrões, pertencentes a partidos de “direita” e similares. Nesses casos, não há discussão. O problema é quando os usufrutários são pessoas rotuladas de “esquerda” (por pertencerem a certos partidos ou sindicatos), ou simplesmente mais pobres, por viverem de subsídios do Estado (eventualmente acrescidos de “biscates”, à margem da lei, pelo menos fiscal). Nestes casos, já não se fala de privilégios, mas de infortúnio. O que eu entendo. Mas apenas na sociedade em que vivemos.

Se, em contrapartida, a sociedade se transformar e desaparecerem as desigualdades à nascença, como eu preconizo – e é só dessa sociedade que eu falo e não da actual –, os privilégios, tal como os defini, devem ser banidos. Quaisquer que sejam os rótulos dos seus usufrutários.

Assim, acho que a ideia de impor – na sociedade que idealizei – uma “solidariedade” que implique um indivíduo dever compensar os direitos de um outro (em assistência na Saúde, por exemplo) que não tem os deveres correspondentes (de trabalhar e pagar impostos, por exemplo), é uma ideia de uma falsa esquerda. Achar-se-á, até, que é uma ideia de direita, cada vez que se tiver a opinião de ser a direita a, habitualmente, ser complacente com os “privilégios”.

Resumindo e concluindo, é essencial compreender qual é a minha minha opinião, bastando para tal, penso, ler o que escrevi.

Mas será também bom perceber que, tal como a direita tradicional, existe uma auto-intitulada esquerda que se atribui uma enorme superioridade moral. Como se gostasse mais dos seres humanos do que os outros. É verdade que essa “esquerda” manifestou frequentemente, e de forma entusiástica, o seu empenhamento no “bem-estar” humano em que acredita. Mas temos de reconhecer que, para tal, também aconteceu ir matando os humanos que fossem necessários, até que a ideia fosse plenamente assimilada...

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Youtube

Estive agora a ver uns músicos no youtube, coisa que não é muito habitual em mim (mas devia ser), e caí em cima de um filme de um miúdo coreano a cantar para esses concursos de talentos. Isto, porque o filme anunciava qualquer coisa como “abençoado por Deus” e eu percebo logo o que isso pretende significar em qualidade do desempenho do artista.

O miúdo foi abandonado no orfanato aos 3 anos e aos 5 fugiu por causa dos maus tratos que lhe infligiam, passando a viver na rua. Durante os últimos 10 anos. Tinha, portanto, 15 anos. Nunca teve lições de canto, mas nunca esqueceu essa paixão inexplicável pela música, ao ponto de, por vezes, ir dormir para perto de clubes nocturnos, de modo a ouvir o que por lá se cantava ou tocava. E quando começou a cantar, em pleno programa, encheu a sala com um vozeirão de timbre quente e doce, apesar de evidentes falhas próprias de alguém que nunca aprendeu a cantar.

A primeira reacção de todos foi de espanto. Do género: como é possível? A assistência e o juri olhavam incrédulos para o rapaz, quem sabe duvidando, pelo menos por momentos, da história que contara. Mas depressa vi lágrimas a correr pela cara abaixo de todos, como é próprio da humanidade. E o coração apertou-se-me ainda mais, perante aquela desmesurada manifestação do mistério que envolve a grandeza humana.

Na quinta-feira passada saiu uma entrevista minha na revista Visão. Certamente por erro divino, uma jornalista gostou do que leu no meu Talvez amanhã, que lhe fora emprestado por um amigo comum. E, nessa entrevista, dei as largas possíveis a essa minha paixão pelos homens. Como faria o Vergílio, tanto que me lembrei dele. O resultado final não transpareceu tanto assim esse fervor, mas alguma coisa se pôde ler a propósito da dignificação do homem e da grandiosidade da nossa condição humana. Coisa que poucos conseguem entender nesta sociedade submersa pelo imediato das coisas mesquinhas. Mas quando há pouco ouvi o miúdo, e vi todas aquelas pessoas da assistência a chorar, senti-me devidamente acompanhado, todos a viver a mesma experiência emocional, observando uma criança, traída pelos deuses e pelos homens, que se elevou ao máximo de dimensão que nos é possível conceber. Todos nos sentimos certamente traidores. Por não termos tentado tudo para impedir esta e muitas outras situações semelhantes. Mas acredito que também nos tenhamos sentido traídos pela promessa infantil de um mundo justo e de um poder absoluto e misericordioso.

Abençoado por Deus? Dá-me vontade de partir tudo à minha volta. Como aquelas mulheres histéricas que destroem os serviços de jantar nas cozinhas.

[Faz-me lembrar esse papa intelectual, que resignou na semana da minha entrevista (ofuscando-me sem remorso), que uma vez perguntou, a propósito do Holocausto: “onde estavas tu, Deus, nesses momentos?”]

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

A grandeza humana

Tenho, de forma repetida, defendido a ideia de o homem ser “a medida de todas as coisas”. E, com a ideia na arte, tenho tentado convencer quem me lê – às vezes, quem me ouve – das insuperáveis grandeza e dignidade do ser humano. E da beleza ímpar da sua obra (nomeadamente em arte e filosofia).

Por outro lado (se calhar, estamos a falar da mesma coisa), sempre tenho desculpado o horror da sua restante obra (guerra, fome, crueldade, egoísmo, etc.) com a nefasta influência da sociedade, à maneira de Rousseau, e dos colectivismos opressores que giram em torno daquilo que podemos identificar com a cultura.

No Cultura e civilização, apelo ao desenvolvimento de uma ideia de cultura individual, consciente que estou de que é o colectivo, mais do que a sociedade ou a cultura (possivelmente, não é mais, pois o colectivo é a essência destas), que está na base das baixezas humanas.

Ontem, folheava uma revista e lá apareceu uma frase célebre (atribuída ao Thoreau), ou antes, uma frase ilustrando uma ideia célebre e mais antiga, segundo a qual os indivíduos, em massa [em grandes aglomerações – o Vergílio (Ferreira) chamava-lhe manada, para realçar o comportamento animal], se nivelam pelos seus elementos de mais baixo nível, em vez de se referenciarem pelo topo da tabela.

E esta frase levou-me a pensar que, apesar de toda a reflexão por mim desenvolvida ao longo dos anos tem-me servido para manter a ideia da culpabilidade dos colectivos, e da “corrupção” mental provocada pela socialização e pela aculturação, também toda a vida me tenho interrogado sobre se esta minha teoria não será absurda.

Logo a começar pelo exemplo das crianças, mesmo muito pequenas, que revelam ciúme, inveja, maldade, até violência. Ou, de forma muito mais expressiva, pelo dos pré-adolescentes, que copiam sempre o exemplo dos seus piores colegas. Mesmo quando não estão propriamente em “massa”. Temos de reconhecer que, nestas idades, o comportamento do “parte tudo” é muito mais sedutor do que o do “marrão” ou do “betinho”.

Isto, para não falar dos adolescentes, que atingem o supremo da imbecilidade humana – o modo como falam, como se vestem, como se comportam –, às vezes até tenho vontade de mudar de passeio.

Em suma, apesar das minhas manias humanistas, e à medida que vou envelhecendo, cada vez me envergonho mais, me desiludo mais, com o ser humano.

E a minha pergunta, inevitável, é esta: porque é que somos assim?

Sem dúvida que o homem se move em função do prazer. No entanto, há que compreender que há dois tipos de prazer. Porque há duas vidas. Há uma dimensão mundana, real, que se baseia num sensorial essencialmente físico. E há, depois, uma dimensão idealizada, irreal, que se baseia num sensorial mental, espiritual, metafísico. O primeiro prazer ataca o corpo. O segundo, parte da alma.

O problema é que o primeiro prazer é fácil. Descansa. Distrai. Assim, um adolescente – para pegar nesse exemplo que corresponde ao tempo das grandes interrogações – obtém mais prazer a apanhar uma bebedeira, a gritar num jogo de futebol, a andar a partir caixotes de lixo nas ruas durante a noite ou a ter sexo com esta e aquela, do que a ler, a pensar, a dedicar-se à filosofia ou à arte. É um prazer mais forte, pois corresponde a uma descarga de adrenalina física. E, sobretudo, é – como dizia atrás – muito mais fácil. Mais irresponsável. O prazer mental, intelectual, é frequentemente ínfimo quando comparado com o sacrifício necessário para o produzir.

Por outro lado, há a questão funcional. À qual se junta a do reconhecimento. É óbvio que, no início dos tempos, o homem forte, hábil na caça ou na guerra, era mil vezes mais “adaptado” em termos de selecção natural do que se cantasse umas lamechices poéticas para deleite das damas. Assim como quando, hoje, um homem funciona no “real” tem muito mais chances de sucesso – financeiro, por exemplo – do que um outro que viva “no outro mundo”. O que implica mais reconhecimento por parte da sociedade envolvente.

Assim, a oposição não se estabelece realmente entre dois prazeres, mas entre um prazer de facto, concreto e imediato, e um prazer que só o virá (eventualmente) a ser depois de anos de “espírito de missão”. Quase entre um prazer e um sacrifício. Que, a dada altura, proporciona um prazer subtil, porém incomparavelmente superior. Mas só depois de a pessoa ter penado muito. Veja-se o caso dos músicos: quanto não penou o Keith Jarrett, em solfejos e marteladas nos dedos, até ser o que é hoje? Ou até ter verdadeiro prazer em ter aprendido o que aprendeu?

De certa forma, e para concluir, acabo por achar que o homem é o que eu projecto nele de grandeza e elevação, em termos das suas capacidades, do seu potencial. E alguns homens cumpriram esse destino. São esses cuja referência perdurou, tornando-se exemplo para todos os outros.

E é dever de cada um de nós fazer um esforço para que tal seja cada vez mais frequente. Para que o homem atinja mais vezes o pleno das suas potencialidades.

É certamente uma questão de educação, também. A tal cultura individual. A que foge à ideia de massa, de colectivo. Porque não pode haver elevação e grandeza sem individualidade. E eu gostava que o homem do futuro entendesse que a procura do prazer fácil, copiada das referências mais básicas que conhece, é incompatível com a descoberta de um caminho próprio, descoberta absolutamente indispensável para que ele possa deixar uma marca de humanidade plena, ou seja, de uma presença individualizada, única, resultante da sua passagem – se calhar tão acidental, tão fortuita – por este mundo.

Como uma obra de arte.


quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Ética ou moral

Procuro, na sequência de umas leituras sobre o Zaratustra – o profeta real –, a diferença entre a Ética e a Moral. Diferença que parece ser, temos de reconhecer, muito ténue.

O próprio Nietzsche terá assumido a sua provocação de ter escolhido o persa para profeta do seu super-homem, ele que se considerava o “primeiro imoralista” e, ao mesmo tempo, reconhecia a forte componente ética do sistema filosófico zoroastriano (Zoroastro é o nome grego para Zaratustra).

Voltando à minha busca, parece-me que a grande diferença está no âmbito dos conceitos: a Moral, de dimensão menor, deveria inscrever-se na Ética, conjunto mais vasto que funciona como uma parte da Filosofia tratando dos direitos, deveres, costumes e princípios de liberdade do ser humano.

No entanto, há também uma ética menos ampla, por exemplo a relacionada com a deontologia das profissões, que refere sobretudo o que não se deve fazer.

De qualquer forma, a confusão é bastante. No dicionário da Academia das Ciências, os conceitos chegam a ser apresentados como equivalentes.

De facto, se definirmos a Ética como a parte da Filosofia que procura estabelecer o que os homens devem – ou não devem – fazer, a distância que a separa da Moral é mínima, pois esta é baseada em códigos de conduta que pressupõem o mesmo (o que devemos ou não fazer) e aos quais devemos obedecer. Assim, sendo o que é “ético” o que devemos fazer, ou seja, o bem, o que está certo, a proximidade com a moral torna-se evidente: mais ética implica mais moral e vice-versa (correlação positiva).

Existem, porém, alguns exemplos de uma visão divergente.

O primeiro caso é um pouco “snob”, mas tem a ver com o facto de ter lido, já não sei onde, que a Ética estabelece as suas teses através do pensamento. Era essa a palavra usada. Por isso, a oposição ética/moral poderia ser vista como aquela que opõe (1 - Ética) a elite intelectual, académica, filosófica, que pensa nos princípios e valores humanos universais – usando a razão e os conhecimentos, como fazem os cientistas – à (2 - Moral) “plebe ignorante” que, de forma instintiva e sem grande reflexão, se habituou (por catequese social) a considerar determinados comportamentos socioculturais como sendo os “normais”, os “correctos”, reproduzindo-os, também de forma irreflectida, de geração em geração.

Em estreita ligação com esta visão, surge uma segunda onde se opõe a ideia de uma vontade de Razão (a alinhar pela equipa da Ética), quer dizer, de um racional activo, ao irracional passivo, ou seja, à irreflexão da obediência (a alinhar pela equipa da Moral).

Esta distinção parece-me fatal para a Moral e, portanto, o meu desejo de vingança poderia ficar saciado, o que me permitiria terminar a reflexão.

No entanto, há uma terceira distinção que mexeu mais comigo: a Ética implicaria uma dimensão individual, na qual o homem é soberano, e a Moral uma dimensão colectiva de submissão a uma norma criada, durante séculos, pelo colectivo social. Por outras palavras, a Ética seria o resultado de gente específica que se põe a pensar (por exemplo, membros de comissões de ética compostas por cientistas, filósofos e outros intelectuais) e que conhecemos, sabemos quem são e porque defendem certo tipo de opiniões, enquanto a Moral (podia passar a escrever com minúscula, mas depois acusam-me de parcialidade) não se sabe de onde vem. É como a pescada – antes de ser já o era.

Porém, a liberdade de escolha, na Ética, não pode ser absoluta, pois não pode colidir com os direitos dos outros. Ou seja, essa dimensão individual de que falo não pode ser associada à capacidade de decisão de cada indivíduo, mas antes à possibilidade de cada um reflectir – usando a razão e, eventualmente, a ciência – e propor ideias ou sugestões que poderão ser apreciadas através de lógicas cognitivas e não emocionais. O que não acontece, de todo, com a Moral. Por outras palavras, a Ética poderá motivar-nos, cada um de nós, a sermos filósofos, enquanto a Moral só nos pede que sejamos obedientes.

E penso que existe uma razão concreta para a Ética apresentar certas características que podemos associar a uma maior elevação de espírito. Com efeito, ela define o que não devemos fazer, deixando uma margem extensíssima para o que podemos fazer, ou seja, para a nossa liberdade individual; em contrapartida, a Moral define o que devemos fazer, pelo que essa liberdade fica, frequentemente, remetida para a eventual transgressão das normas estabelecidas. O que implica o conceito de imoralidade ser, sem dúvida, mais comum, mais frequente no vocabulário quotidiano, do que o “não-ético”. É por isso que há os “éticos” (normalmente chamamos-lhes “homens com princípios”), que são aqueles que se esforçam por não causar danos aos outros, e os moralistas, que são aqueles que obrigam os outros a agir da forma que entendem ser a melhor para o bem de todos (ver os números 16 e 36 do meu livro Cem ideias de perfeição).

Enfim, toda esta questão faz-me pensar até que ponto a Ética está próxima do meu conceito de Civilização e a Moral do meu conceito de Cultura (ver o meu ensaio Cultura e civilização). E até que ponto existe uma diferença abissal de liberdade entre esses pares de conceitos associáveis. Semelhante à diferença de liberdade resultante destas duas frases: “senta-te nesta cadeira” (Moral) ou “não te sentes nesta cadeira” (Ética). Esta última subentende, claro, que me posso sentar num número infindável de sítios. Ou, mesmo, não me sentar. Ou ir-me embora.

(re)começar

Este blogue já existe há algum tempo, não cumprindo a sua função específica, mas apenas existindo para permitir o acesso aos livros que vou escrevendo.

Tal continua a ser possível, havendo, para cada livro, um link  para o meu site www.luisvalenterosa.pt, onde os livros estão alojados. Podem, aí, ler-se como ebooks. Existe também hipótese de descarregar gratuitamente os respectivos PDFs com índice remissivo.

Neste contexto, o blogue vai começar a receber textos com reflexões que vão nascendo da minha confrontação com o mundo, seja o mais abstracto dos livros ou das revistas, seja o mais concreto dos acontecimentos a que a vida nos sujeita.