É minha intenção divulgar, através deste meio, as minhas ideias a respeito da sociedade em que vivemos, expressas em todos os livros que escrevi, mais ensaísticos ou mais literários - Luis Valente Rosa.

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

A grandeza humana

Tenho, de forma repetida, defendido a ideia de o homem ser “a medida de todas as coisas”. E, com a ideia na arte, tenho tentado convencer quem me lê – às vezes, quem me ouve – das insuperáveis grandeza e dignidade do ser humano. E da beleza ímpar da sua obra (nomeadamente em arte e filosofia).

Por outro lado (se calhar, estamos a falar da mesma coisa), sempre tenho desculpado o horror da sua restante obra (guerra, fome, crueldade, egoísmo, etc.) com a nefasta influência da sociedade, à maneira de Rousseau, e dos colectivismos opressores que giram em torno daquilo que podemos identificar com a cultura.

No Cultura e civilização, apelo ao desenvolvimento de uma ideia de cultura individual, consciente que estou de que é o colectivo, mais do que a sociedade ou a cultura (possivelmente, não é mais, pois o colectivo é a essência destas), que está na base das baixezas humanas.

Ontem, folheava uma revista e lá apareceu uma frase célebre (atribuída ao Thoreau), ou antes, uma frase ilustrando uma ideia célebre e mais antiga, segundo a qual os indivíduos, em massa [em grandes aglomerações – o Vergílio (Ferreira) chamava-lhe manada, para realçar o comportamento animal], se nivelam pelos seus elementos de mais baixo nível, em vez de se referenciarem pelo topo da tabela.

E esta frase levou-me a pensar que, apesar de toda a reflexão por mim desenvolvida ao longo dos anos tem-me servido para manter a ideia da culpabilidade dos colectivos, e da “corrupção” mental provocada pela socialização e pela aculturação, também toda a vida me tenho interrogado sobre se esta minha teoria não será absurda.

Logo a começar pelo exemplo das crianças, mesmo muito pequenas, que revelam ciúme, inveja, maldade, até violência. Ou, de forma muito mais expressiva, pelo dos pré-adolescentes, que copiam sempre o exemplo dos seus piores colegas. Mesmo quando não estão propriamente em “massa”. Temos de reconhecer que, nestas idades, o comportamento do “parte tudo” é muito mais sedutor do que o do “marrão” ou do “betinho”.

Isto, para não falar dos adolescentes, que atingem o supremo da imbecilidade humana – o modo como falam, como se vestem, como se comportam –, às vezes até tenho vontade de mudar de passeio.

Em suma, apesar das minhas manias humanistas, e à medida que vou envelhecendo, cada vez me envergonho mais, me desiludo mais, com o ser humano.

E a minha pergunta, inevitável, é esta: porque é que somos assim?

Sem dúvida que o homem se move em função do prazer. No entanto, há que compreender que há dois tipos de prazer. Porque há duas vidas. Há uma dimensão mundana, real, que se baseia num sensorial essencialmente físico. E há, depois, uma dimensão idealizada, irreal, que se baseia num sensorial mental, espiritual, metafísico. O primeiro prazer ataca o corpo. O segundo, parte da alma.

O problema é que o primeiro prazer é fácil. Descansa. Distrai. Assim, um adolescente – para pegar nesse exemplo que corresponde ao tempo das grandes interrogações – obtém mais prazer a apanhar uma bebedeira, a gritar num jogo de futebol, a andar a partir caixotes de lixo nas ruas durante a noite ou a ter sexo com esta e aquela, do que a ler, a pensar, a dedicar-se à filosofia ou à arte. É um prazer mais forte, pois corresponde a uma descarga de adrenalina física. E, sobretudo, é – como dizia atrás – muito mais fácil. Mais irresponsável. O prazer mental, intelectual, é frequentemente ínfimo quando comparado com o sacrifício necessário para o produzir.

Por outro lado, há a questão funcional. À qual se junta a do reconhecimento. É óbvio que, no início dos tempos, o homem forte, hábil na caça ou na guerra, era mil vezes mais “adaptado” em termos de selecção natural do que se cantasse umas lamechices poéticas para deleite das damas. Assim como quando, hoje, um homem funciona no “real” tem muito mais chances de sucesso – financeiro, por exemplo – do que um outro que viva “no outro mundo”. O que implica mais reconhecimento por parte da sociedade envolvente.

Assim, a oposição não se estabelece realmente entre dois prazeres, mas entre um prazer de facto, concreto e imediato, e um prazer que só o virá (eventualmente) a ser depois de anos de “espírito de missão”. Quase entre um prazer e um sacrifício. Que, a dada altura, proporciona um prazer subtil, porém incomparavelmente superior. Mas só depois de a pessoa ter penado muito. Veja-se o caso dos músicos: quanto não penou o Keith Jarrett, em solfejos e marteladas nos dedos, até ser o que é hoje? Ou até ter verdadeiro prazer em ter aprendido o que aprendeu?

De certa forma, e para concluir, acabo por achar que o homem é o que eu projecto nele de grandeza e elevação, em termos das suas capacidades, do seu potencial. E alguns homens cumpriram esse destino. São esses cuja referência perdurou, tornando-se exemplo para todos os outros.

E é dever de cada um de nós fazer um esforço para que tal seja cada vez mais frequente. Para que o homem atinja mais vezes o pleno das suas potencialidades.

É certamente uma questão de educação, também. A tal cultura individual. A que foge à ideia de massa, de colectivo. Porque não pode haver elevação e grandeza sem individualidade. E eu gostava que o homem do futuro entendesse que a procura do prazer fácil, copiada das referências mais básicas que conhece, é incompatível com a descoberta de um caminho próprio, descoberta absolutamente indispensável para que ele possa deixar uma marca de humanidade plena, ou seja, de uma presença individualizada, única, resultante da sua passagem – se calhar tão acidental, tão fortuita – por este mundo.

Como uma obra de arte.


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