É minha intenção divulgar, através deste meio, as minhas ideias a respeito da sociedade em que vivemos, expressas em todos os livros que escrevi, mais ensaísticos ou mais literários - Luis Valente Rosa.

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

Direitas e esquerdas

Na sequência da minha entrevista que saiu na passada quinta-feira na Visão, fui confrontado múltiplas vezes – até pela entrevistadora – com as minhas supostas contradições.

A primeira diz respeito ao facto de eu ser a favor do individualismo e me considerar de esquerda (que todos associam ao colectivismo e ao elevado peso do Estado na economia, por oposição à atitude “liberal” – de direita, portanto); a segunda, mais interessante, pretende encostar-me à extrema-direita por ser contra o Estado Social (o que não é bem verdade, apenas sou contra este Estado Social). Aliás, o grande líder do PS, seguro até no nome, dá voz a todos os que defendem a “solidariedade” (do Estado Social – é o que está subentendido) contra o “cada um por si” dos liberais fanáticos. Porque é que eu digo que esta contradição é mais interessante? Simplesmente por não se ficar pela superficialidade do económico e questionar igualmente o posicionamento das opções sociais.

Deste modo, ao defender o fim (de parte, mas ninguém quer saber disso) do ES, sobretudo na Saúde e na protecção social da velhice (através de seguros privados), eu teria de ser rotulado, imediatamente, de direitista frio e implacável, em oposição gritante com os bons corações esquerdistas que optam pela Fraternité de 1789.

Gostaria de não ter de responder, e esperar que as pessoas lessem o que realmente escrevi no livro (na entrevista era humanamente impossível explicar, apesar do excelente trabalho da jornalista), mas acho que tenho de o fazer. Mais uma vez. Assim, dirijo-me, sem rancor nem animosidade – talvez até com alguma nostalgia do que fui aos 17 anos –, a todos os que acham que existem oprimidos e opressores (tal como eu acho também) e que sentem essa injustiça no seu coração bondoso. Tal como o meu. E digo-lhes que aprendi comigo próprio (é o resultado natural da reflexão profunda e desapaixonada sobre o mundo em redor) que podia definir os opressores como aqueles que têm mais direitos do que deveres e os oprimidos, claro, ao contrário. E que aprendi outra coisa muito importante: a sociedade é uma balança muito instável que conduz à seguinte lei: quando há pessoas que têm mais direitos do que deveres, o resultado inevitável é existirem pessoas que, para compensar, são obrigadas a ter mais deveres do que direitos.

Seguindo este raciocínio, que se pretende tão pouco emocional quanto possível, considero que o homem de esquerda não pode aceitar que existam pessoas com direitos que não tenham deveres correspondentes. A essas situações, os homens (e as mulheres, claro) de esquerda habituaram-se a classificar de “privilégios”, e não de direitos.

Talvez o mais importante seja perceber-se que estas situações de “privilégio” são de combater, qualquer que seja o rótulo da pessoa que delas beneficia. Para a esquerda “convencional”, é habitual que sejam pessoas de “direita”, ou seja, ricas ou “nobres” à nascença, patrões, pertencentes a partidos de “direita” e similares. Nesses casos, não há discussão. O problema é quando os usufrutários são pessoas rotuladas de “esquerda” (por pertencerem a certos partidos ou sindicatos), ou simplesmente mais pobres, por viverem de subsídios do Estado (eventualmente acrescidos de “biscates”, à margem da lei, pelo menos fiscal). Nestes casos, já não se fala de privilégios, mas de infortúnio. O que eu entendo. Mas apenas na sociedade em que vivemos.

Se, em contrapartida, a sociedade se transformar e desaparecerem as desigualdades à nascença, como eu preconizo – e é só dessa sociedade que eu falo e não da actual –, os privilégios, tal como os defini, devem ser banidos. Quaisquer que sejam os rótulos dos seus usufrutários.

Assim, acho que a ideia de impor – na sociedade que idealizei – uma “solidariedade” que implique um indivíduo dever compensar os direitos de um outro (em assistência na Saúde, por exemplo) que não tem os deveres correspondentes (de trabalhar e pagar impostos, por exemplo), é uma ideia de uma falsa esquerda. Achar-se-á, até, que é uma ideia de direita, cada vez que se tiver a opinião de ser a direita a, habitualmente, ser complacente com os “privilégios”.

Resumindo e concluindo, é essencial compreender qual é a minha minha opinião, bastando para tal, penso, ler o que escrevi.

Mas será também bom perceber que, tal como a direita tradicional, existe uma auto-intitulada esquerda que se atribui uma enorme superioridade moral. Como se gostasse mais dos seres humanos do que os outros. É verdade que essa “esquerda” manifestou frequentemente, e de forma entusiástica, o seu empenhamento no “bem-estar” humano em que acredita. Mas temos de reconhecer que, para tal, também aconteceu ir matando os humanos que fossem necessários, até que a ideia fosse plenamente assimilada...

1 comentário:

César Ribeiro disse...

Caro Luís Valente Rosa:

Eu li a sua entrevista na Visão, e apesar de não conhecer o seu trabalho, pensei para mim: ora aqui está uma pessoa que pensa de maneira diferente, e que não cai naquele grande lugar comum que é a esquerda=Estado Social, direita=liberalismo selvagem!

Creio que já era altura das pessoas entenderem que o ser-se humanista é absolutamente compatível com a aceitação da privatização de vários serviços, entre eles a Saúde ou a Educação.

Basicamente, e sem grandes alaridos, só basta saber...fazer contas.

O que não é humanista é sacrificar o bem comum para que uns poucos vivam bem, e principalmente, segundo padrões eticamente e legalmente duvidosos. E esses poucos não são exclusivamente de direita...

O acto de "furar o sistema" não tem cor política. Mas quem fura o sistema esquece-se (ou não quer saber) que obriga os restantes a um trabalho redobrado, e consequentemente injusto.

É isto que é ser humanista?


Abordou noutro post seu algo muito importante, que é a incapacidade das pessoas pensarem em abstracto. Eu chamo a isso "a filosofia do meu quintal".

Ou seja, para qualquer dúvida, problema ou inquietação, as pessoas dão sempre o seu próprio exemplo como O exemplo, restringindo a sua capacidade de abordar uma questão à sua experiência, o que se revela, obviamente, redutora.

Se sou ateu, não posso entender Deus; se sou de esquerdas não posso entender a palavra privatização, entre outros.

Ou seja, não existe uma capacidade generalizada de pensar em abstracto e de analisar uma questão de forma pouco sentimental.

E a sua entrevista à Visão veio confirmar isso mesmo, a incapacidade que muitas pessoas têm em ver para além do seu quintal: não é incompatível ser-se de esquerdas e acreditar que um mundo mais justo é um mundo onde uns poucos não podem viver à sombra de muitos.

Tal como não é incompatível ser-se ateu e gostar de ler àcerca de religião, ou ser-se operário e liberal, entre outras coisas mais.

Pena é que muitas pessoas não consigam perceber isto.