É minha intenção divulgar, através deste meio, as minhas ideias a respeito da sociedade em que vivemos, expressas em todos os livros que escrevi, mais ensaísticos ou mais literários - Luis Valente Rosa.

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Ética ou moral

Procuro, na sequência de umas leituras sobre o Zaratustra – o profeta real –, a diferença entre a Ética e a Moral. Diferença que parece ser, temos de reconhecer, muito ténue.

O próprio Nietzsche terá assumido a sua provocação de ter escolhido o persa para profeta do seu super-homem, ele que se considerava o “primeiro imoralista” e, ao mesmo tempo, reconhecia a forte componente ética do sistema filosófico zoroastriano (Zoroastro é o nome grego para Zaratustra).

Voltando à minha busca, parece-me que a grande diferença está no âmbito dos conceitos: a Moral, de dimensão menor, deveria inscrever-se na Ética, conjunto mais vasto que funciona como uma parte da Filosofia tratando dos direitos, deveres, costumes e princípios de liberdade do ser humano.

No entanto, há também uma ética menos ampla, por exemplo a relacionada com a deontologia das profissões, que refere sobretudo o que não se deve fazer.

De qualquer forma, a confusão é bastante. No dicionário da Academia das Ciências, os conceitos chegam a ser apresentados como equivalentes.

De facto, se definirmos a Ética como a parte da Filosofia que procura estabelecer o que os homens devem – ou não devem – fazer, a distância que a separa da Moral é mínima, pois esta é baseada em códigos de conduta que pressupõem o mesmo (o que devemos ou não fazer) e aos quais devemos obedecer. Assim, sendo o que é “ético” o que devemos fazer, ou seja, o bem, o que está certo, a proximidade com a moral torna-se evidente: mais ética implica mais moral e vice-versa (correlação positiva).

Existem, porém, alguns exemplos de uma visão divergente.

O primeiro caso é um pouco “snob”, mas tem a ver com o facto de ter lido, já não sei onde, que a Ética estabelece as suas teses através do pensamento. Era essa a palavra usada. Por isso, a oposição ética/moral poderia ser vista como aquela que opõe (1 - Ética) a elite intelectual, académica, filosófica, que pensa nos princípios e valores humanos universais – usando a razão e os conhecimentos, como fazem os cientistas – à (2 - Moral) “plebe ignorante” que, de forma instintiva e sem grande reflexão, se habituou (por catequese social) a considerar determinados comportamentos socioculturais como sendo os “normais”, os “correctos”, reproduzindo-os, também de forma irreflectida, de geração em geração.

Em estreita ligação com esta visão, surge uma segunda onde se opõe a ideia de uma vontade de Razão (a alinhar pela equipa da Ética), quer dizer, de um racional activo, ao irracional passivo, ou seja, à irreflexão da obediência (a alinhar pela equipa da Moral).

Esta distinção parece-me fatal para a Moral e, portanto, o meu desejo de vingança poderia ficar saciado, o que me permitiria terminar a reflexão.

No entanto, há uma terceira distinção que mexeu mais comigo: a Ética implicaria uma dimensão individual, na qual o homem é soberano, e a Moral uma dimensão colectiva de submissão a uma norma criada, durante séculos, pelo colectivo social. Por outras palavras, a Ética seria o resultado de gente específica que se põe a pensar (por exemplo, membros de comissões de ética compostas por cientistas, filósofos e outros intelectuais) e que conhecemos, sabemos quem são e porque defendem certo tipo de opiniões, enquanto a Moral (podia passar a escrever com minúscula, mas depois acusam-me de parcialidade) não se sabe de onde vem. É como a pescada – antes de ser já o era.

Porém, a liberdade de escolha, na Ética, não pode ser absoluta, pois não pode colidir com os direitos dos outros. Ou seja, essa dimensão individual de que falo não pode ser associada à capacidade de decisão de cada indivíduo, mas antes à possibilidade de cada um reflectir – usando a razão e, eventualmente, a ciência – e propor ideias ou sugestões que poderão ser apreciadas através de lógicas cognitivas e não emocionais. O que não acontece, de todo, com a Moral. Por outras palavras, a Ética poderá motivar-nos, cada um de nós, a sermos filósofos, enquanto a Moral só nos pede que sejamos obedientes.

E penso que existe uma razão concreta para a Ética apresentar certas características que podemos associar a uma maior elevação de espírito. Com efeito, ela define o que não devemos fazer, deixando uma margem extensíssima para o que podemos fazer, ou seja, para a nossa liberdade individual; em contrapartida, a Moral define o que devemos fazer, pelo que essa liberdade fica, frequentemente, remetida para a eventual transgressão das normas estabelecidas. O que implica o conceito de imoralidade ser, sem dúvida, mais comum, mais frequente no vocabulário quotidiano, do que o “não-ético”. É por isso que há os “éticos” (normalmente chamamos-lhes “homens com princípios”), que são aqueles que se esforçam por não causar danos aos outros, e os moralistas, que são aqueles que obrigam os outros a agir da forma que entendem ser a melhor para o bem de todos (ver os números 16 e 36 do meu livro Cem ideias de perfeição).

Enfim, toda esta questão faz-me pensar até que ponto a Ética está próxima do meu conceito de Civilização e a Moral do meu conceito de Cultura (ver o meu ensaio Cultura e civilização). E até que ponto existe uma diferença abissal de liberdade entre esses pares de conceitos associáveis. Semelhante à diferença de liberdade resultante destas duas frases: “senta-te nesta cadeira” (Moral) ou “não te sentes nesta cadeira” (Ética). Esta última subentende, claro, que me posso sentar num número infindável de sítios. Ou, mesmo, não me sentar. Ou ir-me embora.

2 comentários:

Anónimo disse...

Filósofo!

Anónimo disse...

muito bem