É minha intenção divulgar, através deste meio, as minhas ideias a respeito da sociedade em que vivemos, expressas em todos os livros que escrevi, mais ensaísticos ou mais literários - Luis Valente Rosa.

segunda-feira, 25 de março de 2013

As irrealidades

Li há uns tempos uma entrevista do cronista e escritor João Pereira Coutinho, com bastante interesse.

Diz ele, a certa altura – perante uma confrontação da jornalista sobre a sua suposta irascibilidade e insolência –, que trata as pessoas como adultas. Embora saiba que as pessoas não gostam desse tratamento. Diz mesmo o seguinte: “já pensei, aliás, em escrever crónicas paralelas: de um lado, a versão “normal”, adulta; do outro, a mesma coluna, mas em versão infantil, para não perturbar os estômagos mais sensíveis”.

Já no outro dia, quando li o diário do Torga, me confrontei com um seu desabafo onde tentava explicar que a brutalidade de que por vezes o acusavam não era mais do que franqueza.

Retenho esta questão por duas razões.

Primeiro, porque vivemos num mundo de faz-de-conta, a que muitos chamam o “politicamente correcto”. Não se podem discutir certas coisas de forma racional e desapaixonada, sem se ser logo rotulado com dezenas de “mimos” emocionais diversos, como reaccionário – ou comunista, conforme os casos –, xenófobo ou racista, misógino, homofóbico e etc., etc..

Esta atitude até acaba por reduzir a liberdade de expressão. Aliás, li mais recentemente um pequeno ensaio de filosofia do Desidério Murcho (nos ensaios da FFMS), onde ele referia uma questão que eu já levantei em As minhas coisas (pelo menos). Que é, mais ou menos, a liberdade de se defender a não-liberdade. Mas não vou retomar o tema. Por outras palavras, estamos impedidos de filosofar sobre temas que se tornaram tabus – apresentando argumentos num sentido ou noutro – com a liberdade que devia ser inerente a esse filosofar.

Em segundo lugar, porque também tenho o mesmo problema. As pessoas também me acusam frequentemente de ser bruto, indelicado, agressivo, só porque as trato como adultas, porque sou franco, ou seja, porque digo aquilo que penso ser a verdade.

No fundo, o que eu acho, mais do que tudo, é que as pessoas não querem, de uma maneira geral, discutir ou trocar ideias sobre a verdade. Porque construíram “verdades” internas de forma mitológica (como as culturas fazem em relação aos mitos fundadores) e não querem que elas sejam abaladas. Como, mais uma vez, no caso da cultura, já têm uma verdade, não precisam de mais. Assim, todas as reflexões que possam pôr em causa a história do mundo que inventaram para si são encaradas como desajustadas, perigosas, indelicadas. No fundo, o que é mais forte em nós é a nossa própria ficção: não quero ouvir o que me põe em causa, mesmo que seja real e verdadeiro, quero repetir à exaustão o enquadramento mítico que criei.

Esforço-me por procurar a verdade. Na minha outra vida, posso ambicionar a irrealidade da arte. Na minha vida daqui, procuro a realidade dos factos. Mas que se perceba que a irrealidade da arte não tem nada a ver com a irrealidade desta vida, protagonizada pela infantil e vivenciada ilusão que acabei de descrever. Já tentei explicar isto várias vezes. Esta última é apenas uma fuga, um refúgio, uma protecção. Por isso, implica infantilidade, supõe, quer queiramos quer não, uma certa dose de cobardia – agarrarmo-nos às pernas do pai quando vemos algo que nos assusta.

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