É minha intenção divulgar, através deste meio, as minhas ideias a respeito da sociedade em que vivemos, expressas em todos os livros que escrevi, mais ensaísticos ou mais literários - Luis Valente Rosa.

quarta-feira, 20 de março de 2013

Torga

Noutro dia, antes de dormir, fui buscar um velho diário do Torga (XI) que vai de 68 a 73. E venho aqui deixar registo de uma emoção antiga, há muito tempo não revisitada, que a leitura destes diários sempre me causou.

Logo à partida, já não me lembrava – ou nunca terei reparado – que ele não refere nomes, nem dos amigos, nem da família, nem dos “inimigos”, ou seja, das pessoas, figuras públicas (escritores, por exemplo) ou não, de quem não gosta.

Depois, voltei a sentir de forma intensa a constante transfiguração literária, muito ligada à dimensão física – os montes, os rios, as casas, as célebres “fragas” – mas com evidentes anseios de irrealidade.

Mas o que mais me impressionou foi a recordação de uma certa “desmesura”. Ele era muito genuíno nessa obsessão com o que o excedia. Independentemente de ter sido, muito provavelmente, egocêntrico, inacessível e intratável, como todos acusavam, foi, acima de tudo, um homem que tentou elevar-se, procurando atingir essa beleza que paira sobre nós e a esmagadora maioria não pressente. Há, na vida, uma grandeza celestial a chamar-nos, como a música de Bach. E se muitos a reduzem ao descanso religioso, outros se esforçam por a enfrentar, procurando algo “mais”: uma outra fé, construída em desmesura humana, que, para poder ser um dia a do Homem, começa por ser a sua própria. O Torga, como escritor, ter-me-á, acima de tudo, deixado uma marca oriunda dessa convicção, muito por mim sentida, de que nós podemos ser muito superiores ao que nos está aparentemente destinado.

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