É minha intenção divulgar, através deste meio, as minhas ideias a respeito da sociedade em que vivemos, expressas em todos os livros que escrevi, mais ensaísticos ou mais literários - Luis Valente Rosa.

segunda-feira, 11 de março de 2013

Os "tudólogos"

Artigo interessante que li há tempos sobre os “tudólogos”. Ou seja, sobre a facilidade com que certos jornalistas ou opinion makers falam sobre tudo e mais alguma coisa com toda a desenvoltura. No entanto, o artigo – seriamente – também apresentava a opinião contrária, citando alguém que se perguntava sobre o que aconteceria se os homens só falassem sobre o que conhecem de forma profunda. Certamente passariam o tempo calados.

Lembrei-me do Vitorino Magalhães Godinho e de uma frase que lhe ouvi muitas vezes e dizia mais ou menos isto (criticando a especialização): “Cada vez se sabe mais a propósito de menos; qualquer dia, sabe-se tudo a propósito de nada”.

Voltando ao artigo, é fácil perceber o incómodo que nos causa ouvir certas pessoas falar erradamente sobre coisas que nós conhecemos bem. Sobretudo quando colocam grande pompa nesses comentários pseudo-doutorais. Assim como é enervante um sujeito que só fala das enzimas dos protozoários. Tem de haver, portanto, um meio termo. Porque a antítese da frase do Godinho também existe: cada vez se sabe menos a propósito de mais; qualquer dia, sabe-se nada a propósito de tudo.

Ocorreu-me pensar sobre os muitos pensadores que se interrogaram sobre o voto “inconsciente”, ou seja, o voto das pessoas que não conhecem os programas ou a ideologia dos partidos, não se interessam por questões políticas, não lêem os jornais e não acompanham a realidade social, etc.. Foi com esta interrogação que, como se sabe, se tentou múltiplas vezes reduzir o eleitorado a certas parcelas da população. E foi com esta mesma dúvida que se justificaram muitas ditaduras. Precisamente por o povo não “perceber nada de nada”.

Porém, felizmente, os votos são, nas democracias ocidentais, todos iguais. Não é como nas eleições dos clubes de futebol, em que os votos dos sócios mais antigos valem cinco ou dez vezes mais. Assim, o analfabeto conta tanto como o doutorado. O que significa também que o primeiro tem tanto direito como o segundo de opinar sobre a realidade social que o envolve.

O que pretendo dizer é que, se exceptuarmos discussões excessivamente técnicas, ou científicas, as pessoas deviam falar cada vez mais sobre coisas que dominam mal. É péssimo ficarem caladas e humilhadas perante o saber aparentemente enciclopédico dos mais desenvoltos. Isto porque o falar sobre essas coisas puxa a curiosidade e leva os indivíduos a informarem-se mais. O alheamento é um dos grandes perigos da democracia, pois ele implica desistir de participar, de vigiar, de criticar e, em última instância, de avaliar. O eleitorado cada vez tem menos consideração pelos políticos, mas continua a não se esforçar para ter conhecimento suficiente para os confrontar e punir.

É preciso que as pessoas falem cada vez mais sobre o que sabem pouco, para cada vez saberem mais sobre o que falam.

1 comentário:

Manuel Morais disse...

Antes de mais, parabéns pelo blogue e pelo site. Por acaso abri hoje uma Visão de Fevereiro e, motivado pela sua entrevista, resolvi dar uma espreitadinha que se revelou mais longa do que esperava... Muito obrigado pelo estímulo que me proporcionou e proporcionará!

Uma visão extremamente interessante que me fez repensar a minha usual e espontânea desconsideração pelos chamados "tudólogos". Afinal talvez possam ser úteis!

Contudo, acho que o objectivo didáctico para a sociedade que se pretende atingir através do aumento dos tais desenvoltos faladores não passa assim tanto pela sua quantidade. Isto por duas razões: não é fácil falar sem saber do que se fala e fazê-lo pressupõe a falta de consideração pelo exercício de pesquisa e, mais importante, pensamento.

Talvez não seja assim tão difícil opinar por opinar (afinal de contas, tanta gente o faz tão bem), mas, talvez por humildade ou mesmo receio de errar, nunca consigo completar este exercício sem acabar por disparatar e abrir o jogo: "já estou a inventar". Simplesmente não consigo participar numa discussão sobre uma assunto sobre o qual não tenho informação suficiente! Seria como tentar discutir um jogo de futebol a que não assisti. Porque hei-de mandar bitates?

Claro que nem todos pensam como eu, e a necessidade de participação apenas para marcar presença não é igualmente prática incomum. Acho que a palavra chave é mesmo desenvoltura. O mais confiante (podendo até roçar a arrogância) é o mais capaz de expor as suas opiniões sem recear qualquer falácia, qualquer ponto fraco que faça desmoronar o seu raciocínio. O que agrava a situação é que esta confiança cega tem o duplo efeito de fortalecer os seus argumentos e desmoralizar algum capaz interlocutor que é induzido no erro de achar que o outro percebe mesmo do que fala.

Assim sendo, julgo que o seu desejo de mais "tudólogos" é difícil de concretizar e não atingiria a meta pretendida. O que falta mesmo é desconfiança, julgamento, interrogação. Mais do que falar do que não se sabe, o que devia ser feito mais vezes é o simples exercício natural e lógico com que crescemos (eu pelo menos sei que era - e ainda sou - daqueles miúdos chatos que perguntava tudo e mais alguma coisa) - questionar! "Porquê?","Como é que sabes?", "Quem é que te disse?","Foi o Zé da esquina? Ah, então tens razão...". É tão mais fácil parecer esperto e concordar.. Mas porquê? Por falta de paciência para avaliar o que ouvimos? Para não parecer mal em discordar do outro? O que falta é mesmo inércia, exercício mental, coragem! Nem que seja apenas para fazer o dito "tudólogo" perceber que afinal precisa de se informar melhor. Sim, porque duvido muito que se o senhor sabe-tudo não estava bem informado à priori, o vá fazer depois de ser recebido com consentimento. Mas assim talvez seja levado à referida procura de informação. Isto para não entrar pelo fenómeno inconsciente do papagaio: é tão fácil repetir uma opinião dita por um e passá-la a outro sem qualquer filtragem ou repensamento!

É preciso que as pessoas desconfiem cada vez mais do que os outros falam, para todos saberem mais do que se fala!

Cumprimentos,

Manuel Morais